terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sobre Sapatos e letras.


A proposta do autor foi reunir uma série de textos que surgiram de seu trabalho como comentarista na rádio 91 rock e também textos publicados no jornal “Afonso Pena hoje” de circulação no aeroporto da cidade de São José dos Pinhais. No programa de rádio o autor responde a dúvidas de ouvintes sobre diversos temas de ordem prática e de questões surgidas no dia-a-dia das pessoas. De escrita simples e linguagem emocionante, Sapatos e livros é dividido em quatro partes, que permeiam as idéias centrais abordadas nos diversos textos: educação de filhos, relacionamento, valores e sociedade. Sem se tratar exatamente de um manual, o autor dá dicas de como agir segundo sua experiência como educador e psicólogo, em relação a diversos temas surgidos durante os debates na rádio ou durante as reflexões nos textos do jornal.
Em educação dos filhos, traz dúvidas freqüentemente levantadas por pais e professores: se devem bater ou não nos filhos; se dão presentes no fim do ano se eles passarem na escola; quanto tempo as crianças devem ficar no computador, etc. O autor conta também um pouco de sua experiência na educação de seus próprios filhos, e também o que aprendeu com seu avô. No capítulo que dá nome ao livro, faz uma comparação entre ensinar e o oficio de sapateiro, onde os sapatos são feitos artesanalmente. Ensinar tem que ser uma construção, onde a aprendizagem seja o fruto deste trabalho. Traz ainda uma reflexão sobre o atual modelo educacional, sob o ponto de vista de uma criança, que esta na escola. Esta criança tem muitas perguntas sem resposta, e não são perguntas de ordem pedagógica, mais sobre o papel que a escola exerce na formação dos cidadãos.
No segundo capítulo, o autor relata a forma de se relacionar de algumas pessoas, como exemplo de diferentes reações diante de situações constrangedoras. Como no texto, cujo título já diz muito: “Se minha mulher me trair eu mato ela”. Neste capítulo, o autor aborda ainda temas como ciúmes, amizade, amor, casamento, sexo. Interessante o texto “Amar demais”, que trata de pessoas que abrem mão de seu desejo, para fazer a vontade do outro. Estas pessoas se justificam, dizendo que amam demais; quando na realidade o que fazem é esquecer de si por causa deste outro. Isto torna esta pessoa sem graça, sem atrativos, sem nada que seja capaz de despertar o amor no outro, apenas pena. E neste texto, Marcos cita Freud, que afirma: “que o escravo renuncia ao próprio gozo para inscrever-se no desejo do outro.” Deixando muito claro que não se trata de amor, ainda mais amor demais. Já no texto “Dizer não”, Marcos trata da importância de saber se posicionar diante de situações conflituosas. As vezes a pessoa diz sim, por medo de magoar o outro ou por não poder atender a expectativa; e acaba se sobrecarregando, quando esta sempre disponível. Saber dizer não é uma forma de se valorizar e de se amar. E quando as pessoas percebem isso, não vai parecer algo que vai magoar, mais como forma de expressão da subjetividade, da castração.
No terceiro capítulo, valores o autor discute um pouco o que tem acontecido em nossa sociedade. Ou melhor, como a inversão desses valores vem afetar o cidadão comum; quando de um assalto onde os bandidos são menores de idade. Com uma arma em punho, ameaçam matar todo mundo num posto de gasolina; esta na hora de reagir, não contra o assalto, mais contra as condições da segurança pública em nossa cidade. Que nos fazem reféns de garotos que deveriam estar na escola e não nas ruas. Nos texto “Inteligência prática” o autor debate brevemente as condições de ensino em nosso país. Onde os alunos estudam física, mais não são capazes de pregar um prego. Estudam matemática, mais não fazem idéia do que representa um juro de 1% na mensalidade da escola. Não há uma relação entre o que os alunos aprendem na escola e os desafios que vão enfrentar fora dela, e não precisa nem ser desafios, os alunos estudam química e não são capazes de cozinhar um ovo. O autor incentiva claro, uma escola que invista na formação continuada dos professores, mais também sugere que os pais ajudem a ampliar o campo de visão das crianças para que elas possam compreender melhor o mundo em que vivem. Apostando assim, no desenvolvimento da inteligência prática. E depois, para finalizar o capítulo, Marcos relata um momento de solidão, quando esta em uma festa cheia de gente. Com tantas pessoas ainda se sente só, porque as pessoas não são acostumadas a olhar para os outros que ainda não conhecem, são indiferentes. Traz ainda uma reflexão sobre a assertividade, no exemplo de alguém que esta com raiva do namorado que sumiu sem dar satisfação. Esta pessoa poderia ter três reações: poderia ter um desequilíbrio emocional, motivado pela raiva. Ou poderia esperar por uma vingança, em outra oportunidade. Mais esta moça poderia ter também uma atitude assertiva, e dizer para o ex-namorado de seus sentimentos, e de sua decepção, sem julgar ou acusar. Desta forma estaria respeitando seu valor próprio e sua auto-estima, sem alimentar raiva ou vingança.
E na abertura do quarto capítulo, Marcos retoma a importante frase escrita por Freud: “escravo é aquele que vive para realizar o desejo do outro”. Onde mais uma vez trata do tema do amor próprio, da pessoa não se anular diante da vontade dos filhos, da esposa, dos amigos. Quando alguém faz isso torna-se uma pessoa que não é interessante para ninguém, torna-se escravo e deixa de ser alguém que busca suas própria coisas. Marcos debate ainda a educação no “primeiro mundo” e no Brasil. Lá a escola nem é tão boa quanto pensamos. O ensino continua centrado no saber do professor e não há espaço para o debate. Infelizmente no Brasil nem todas as escolas são iguais, mais algumas de nossas melhores escolas poderiam servir de exemplo para qualquer pais do mundo. E sugere que podemos exportar nosso know-how, primeiramente para nós mesmos e depois para fora. No texto Carnaval, relata sua dificuldade para entender os critérios usados para avaliar temas tão subjetivos como harmonia, evolução e bateria. Através de um erro de julgamento menor do que meio por cento. Na escola, isso se reflete na nota que os alunos recebem quando fazem uma redação, por exemplo. Avaliar critérios subjetivos, com mensuração de décimos. Relata ainda a dificuldade dos serviços prestados por um hotel, que deixa a manutenção em segundo plano e não presta atenção às necessidades dos hóspedes. Critica as pessoas que sempre apostam no errado e no ruim, que ficam torcendo para dar tudo errado. Critica também, de modo geral a sociedade, que não é capaz de escolher um bom candidato nas eleições, mais que depois só sabe reclamar. Assim como não há bons políticos, também não há bons profissionais; pois existem muitos cursos superiores de péssima qualidade, incapazes de formar bons profissionais. Cita o exemplo de uma médica dermatologista que consultou que nem sabia o que era o fator de proteção solar (FPS); advogados que escrevem “prossesso” ao invés de “processo”; de psicólogos que não gostam de ler e de professores de educação física que simplesmente soltam uma bola para os alunos correrem atrás. E tudo isso acontece de repente, assim como de repente cai um avião; ou de repente os bandidos tomam conta de tudo; ou de repente se descobre que nossas leis ficaram ultrapassadas e que alunos adolescentes, regularmente matriculados na escola, são semi-analfabetos, tudo de repente. Será que nesse país não há planejamento, ou é falta de organização mesmo? Será que não somos capazes de prever as conseqüências de nossos atos? Questão cultural, e que afeta a todos nós.


Este livro me foi gentilmente emprestado pela professora Haniely Trudes de Freitas. A ela, meus agradecimentos.

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